Ao se aproximar o fim da colheita do milho no hemisfério Norte e com o início do plantio desse cereal no hemisfério Sul, uma análise da situação de abastecimento prevista para o próximo ano pode ser útil para as análises do que nos espera por ocasião da colheita da safra de 2011/12, no Brasil.
A primeira informação diz respeito aos possíveis preços. No mercado mundial está ocorrendo o que já se verificou no ano passado, mais ou menos nesta época. Como não existe nenhuma notícia pior (uma quebra significativa na safra americana, por exemplo) para ser comunicada e, segundo as projeções do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos), o abastecimento de milho para o próximo ano nos Estados Unidos está garantido (apertado, mas garantido), os motivos para especulação se enfraquecem e o preço internacional do milho começa a ceder. Desde o fim do mês de agosto, quando atingiu níveis ao redor de US$ 7,60 por bushel (algo em torno de US$ 300 por tonelada), o preço do milho não faz outra coisa senão cair até níveis próximos a US$ 6,50 por bushel (US$ 250 por tonelada). Esse preço ainda está dentro da faixa de variação que tem se verificado desde o início do ano (ao redor dos US$ 7,00 por bushel) que, convenhamos, está bem elevado.
Se do lado dos Estados Unidos o abastecimento está apenas garantido, informações do USDA indicam que a situação nos países da antiga União Soviética (a atual Rússia e a Ucrânia) é muito diferente da verificada no ano passado. Uma colheita recorde está sendo prevista para essa região (cerca de 45 milhões de toneladas, contra 30 milhões no ano passado), gerando um excedente exportável de mais de 20 milhões de toneladas. Isso garante o abastecimento do norte da Europa e dos países vizinhos. A produção de milho nessas regiões vem gradativamente se fortalecendo e certamente afetará o mercado em uma região que eventualmente (em períodos de crises mais agudas) é abastecida pelas exportações do Brasil. Influências colaterais podem advir da maior disponibilidade regional de milho e seu impacto sobre a criação de suínos no país (Rússia) que é o maior importador desse tipo de carne do Brasil.
Algumas informações adicionais sobre o mercado de combustíveis começam a indicar que a recessão que está afetando os Estados Unidos pode alterar as condições do mercado de etanol, que tem sido o motor do crescimento do consumo do milho nesse país e, indiretamente, do mundo. As informações mais recentes do USDA indicam uma estabilidade no consumo de milho nos Estados Unidos para essa finalidade (128 milhões de t em 2010/11 e uma previsão de 127 milhões de t em 2011/12), com uma redução de cerca de 2,5 milhões de toneladas de milho entre as estimativas de agosto e setembro.
A novela que não termina é o futuro da China como importadora de milho. Um estudo recente do U.S. Grains Council sobre a redução na autossuficiência no abastecimento interno de alimentos na China, levanta questões se a redução que se verificou no caso da soja (de 100% de autossuficiência em 1990/91 para 20% nos anos mais recentes) seria aceitável para o governo chinês no caso do milho. Aparentemente existe um maior compromisso do governo com relação ao milho do que com a soja. Uma redução para 95% de autossuficiência no milho abriria mercado para cerca de oito milhões de toneladas em exportações desse cereal para a China. Como a decisão é política, nestes tempos de aumento de preços no mercado internacional do milho, o governo reagiu leiloando o cereal de seus gigantescos estoques (cerca de 40% dos estoques mundiais estão armazenados na China), mesmo em um ano que se anuncia uma colheita chinesa recorde. O objetivo é tentar segurar os preços internos de milho e de carne suína. A inflação dos alimentos na China chegou a 13% nos doze meses terminados em agosto e a carne suína subiu 52% no mesmo período. Essa elevação dos preços é problemática, pois afeta a parcela mais pobre da população urbana.
Em resumo, os Estados Unidos seguem administrando a sua escassez de milho e com certeza a próxima safra americana repetirá a pergunta feita nas últimas safras: será que vai dar para atender às necessidades? Essa pergunta continuará alimentando a incerteza e a especulação. Na China permanece a dúvida de até quando a autossuficiência poderá ser mantida, frente à pressão de consumo doméstico por proteína animal. Quem fica confortável são os países da Europa e da antiga União Soviética, com estoques se recompondo e gerando excedentes exportáveis.
Na América do Sul, na Argentina, estimativas oficiais dão conta de um incremento de cerca de 7% na área plantada, uma clara resposta ao nível internacional dos preços (a Argentina exportou 12,9 milhões de toneladas de milho na safra 2010/11, cerca de 55% de sua produção). O plantio ainda está muito no início e incertezas sobre o clima podem modificar a decisão dos produtores com relação à lavoura que irão implantar. O interessante, na Argentina, é que já existem unidades industriais produtoras de etanol a partir do milho, o que pode contribuir para o aumento do consumo interno e provocar redução das exportações (continua a disputa entre agricultores e governo na Argentina por conta do estabelecimento de quotas de exportação de milho).